Caduco, uma crônica sobre o novo álbum de Marcelo Callado

"Na vida, nenhuma palavra é gratuita. É essa a maior graça de Marcelo - do latim Marcellus, diminutivo de Marcius ou Martius, que quer dizer jovem guerreiro ou marcial, de marte, Deus da guerra. E quem conhece Marcelo Callado, pessoalmente, sabe o quanto ele
é guerreiro, mano.
E, como todo guerreiro, ele trava suas lutas diárias, só que, no seu caso, através da música. Em seu novo álbum, intitulado CADUCO, cada faixa é um cântico marcial, um chamado para nossas guerras pessoais, emocionais e ideológicas. Cada canção é um diário de batalha que registra pensamentos, vivências, melodias e viagens.

Esse alistamento musical foi realizado em apenas 10 dias, uma música por dia.
Marcelo chegava ao estúdio, por volta de Meio-dia (letra e música de Callado), munido tão somente de uma letra, uma melodia de voz e um violão para dar algum suporte harmônico.
Com o auxílio luxuoso de Martin Scian na produção, eles arranjavam, tocavam e gravavam até o fim da noite. No dia seguinte começava uma nova batalha. Tudo ali, naquela hora.
Como na doce e melancólica Hora Grave (Poema de Rainer Maria Rilke/Tradução: José Paulo Paes/Música: Marcelo Callado).
Só por Hoje, que abre o disco, traz uma legião de Marcellus dispostos em vozes, terças e contracantos. Todos esses acompanhados de um piano ritmicamente martelado.
Contudo, lá pelas tantas, a toada sofre uma reviravolta que nos mostra como é árdua a maior de todas as nossas lutas: o cotidiano. Entre a loucura careta que chamamos de realidade e a mesmice quadrada de se render ao hedonismo vazio das drogas, Marcelo
prefere estar sóbrio e puro... Só por hoje.
Pra quem sempre foi calado, outrora foi Han Sollo e atualmente é Caduco, nosso herói tem em si muitas vozes. Além da principal, sempre impecável, seu projeto conta com incríveis arranjos vocais. Cabe notar que absolutamente todas foram gravadas in natura. O
som que vem da caveira, sem uso de nenhum programa de correção ou afinação digital.
São bons exemplos do resultado, além da já citada abertura, o experimentalismo romântico da faixa Nosso Beijo (letra e música de Callado). Assim como, o concretismo poético de
Meu Sol, em colaboração com o velho parceiro Ricardo Dias Gomes.
Se, por um lado, Callado faz coro de si mesmo para materializar suas melodias, por outro, se harmoniza em um acompanhamento instrumental que serve com perfeição a cada nuance de cada música. Claro, afinal ele mesmo tocou praticamente tudo: cordas, piano,
tambores, percussões. Exceção honrosa as brilhantes participações de Melvin Ribeiro no baixo de Exit Exist (letra e música de Callado). Além do já citado Martin Scian, nos pianos e no emocionante cello que encerra o disco. Ambos recrutados das muitas bandas e
projetos dos quais Marcelo já fez, faz ou ainda fará parte. Sim, porque mesmo estando solo, ele jamais esteve desamparado. Impossível pra quem é tão generosamente acolhedor em cada acorde.
Mas se engana quem pensa que o sentido dessa jornada de conflitos seja tão somente o confronto. A busca do autor aguerrido é por novas estéticas sonoras, como na conceitual Demodé (letra e música de Callado). E por novas mensagens artísticas que apontem um norte de vida ou de música. No caso dele dá no mesmo...
Para usar suas próprias palavras “Viva, siga, vá adiante. É só você que pode. Se incomode, senão nada se move. Make love, senão o mundo explode”. De onde se conclui que todo combate é apenas um caminho para se encontrar na harmonia, na concórdia, no entendimento e no amor.
E para falar de amor quem melhor que um amigo? A ciência de fazer música é a arte de fazer amizades. Gustavo Benjão, companheiro de longas noites, assina junto com Marcelo o que sem dúvida é o postulante a hit maior do álbum: Corais Laranjas. Além de
um belo desfecho em Contrafluxos.
Nascido em 1979, prestes a completar quarenta anos, Callado abre a icônica idade da razão lançando CADUCO - do latim cadere (cair) - referência as folhas e galhos cadentes que tornam o outono tão poético.
Seu terceiro disco solo é mais um grande feito. Meu feito, faixa 3 (letra e música de Callado), ele constrói sem efeitos, mostra seus defeitos à vontade e do seu jeito. Consciente de que, afinal, de perto ninguém é perfeito.
“O importante é respirar... acreditar que o melhor virá”
Eu acredito piamente, pois, enfim, nenhuma palavra é de graça ao meu caro amigo Marcelo Callado."

texto de
Renato Martins